O Brasil não é o tipo de país que prega o purismo sexual das mulheres, pelo contrário, exportamos a imagem da ‘mulher brasileira’. Mas, parece que Anitta rebolando na televisão antes do futebol gera problemas. A funkeira mais uma vez fez o show de encerramento da Libertadores da América. Com transmissão pelo SBT e Fox Sports, o show trouxe um mix de músicas da cantora nos últimos anos, entre elas, “Combatchy”, parceria com Luisa Sonza e Lexa.

Então, vimos três músicas de funk na tela da TV antes do clássico Palmeiras X Flamengo, com vitória do time paulista. Com uma roupa toda cravada de cristais, a poderosa entrou no palco como se o estádio fosse dela. Fez a apresentação e saiu. Durante o show, claro, rebolou inúmeras vezes. Mas o que era para ser uma coreografia, virou polêmica. A pergunta é: por quê?

Um deputado de Minas Gerais conseguiu a mídia que queria desvalorizando a carioca. “Lixo de abertura da final da Copa #Libertadores, @Anitta envergonhando o Brasil. #LibertadoresNoSBT”, escreveu numa publicação no Twitter. Em seguida, ele completou, em defesa das crianças que assistiam ao evento. “Milhares de crianças assistindo a final da Copa Libertadores, 17 horas, e o lixo brasileiro @Anitta mostrando o r… em rede mundial. Vergonha surreal”, completou.

Agora que nós já demos o biscoito que o tal deputado queria, vamos aos fatos. O Brasil nunca resguardou o corpo das mulheres ou maculou cada um deles. Pelo contrário. O histórico da TV Brasileira tem muita bunda, muito peito e sensualidade que extrapola a moral de qualquer passo de funk. E horário nunca foi problema para ninguém.

AOS FATOS

Bem antes do século XXI começar, Joana Prado dominava a televisão brasileira como A Feiticeira. A assistente de palco do Programa H, de Luciano Huck, era sucesso na tela da Band e conquistou o país com o rosto misterioso atrás do corpo escultural – que estava sempre à mostra. A modelo e dançaria também posou três vezes para a extinta Playboy.

Na mesma época e programa, Susana Alves despontava como Tiazinha. Ainda no Programa H, de Luciano Huck, ela surgiu como um dos maiores sucessos da emissora. Sua função? Vestida como uma mulher-gato, ela carregava um chicote sadomasoquista e castigava os adolescentes da plateia caso errassem algumas das perguntas que ela fazia. Eles chegavam a ter partes do corpo depiladas ao vivo pela modelo. Alguns até sonharam em levar algumas chicotadas da morena. Ela e Feiticeira iludiam jovens rapazes e crianças em todo país. Nenhum pio. Detalhe: O Programa H ia ao ar às 16h. No mesmo horário que a tal apresentação polêmica de Anitta.

Vamos supor que Feiticeira e Tiazinha fossem um delírio coletivo. Nós, brasileiros, nunca sexualizamos o corpo das mulheres a esse ponto. Então, ‘É o Tchan!’ foi um grande delírio coletivo? Ademais, o grupo elegeu a ‘nova loira do tchan’ num reality ao vivo no “Domingão do Faustão“, na Globo. Sheila Mello apareceu na cena brasileira nesse momento, inclusive.

A música que embalou o concurso não só fala da beleza da mulher, como também dá as medidas do corpo dela. “Que loirinha danadina”, “Que gostosura” são alguns dos versos do samba.

O puritanismo desocupado surgiu no Brasil nos últimos anos. E sabe o por quê? O foco dos corpos expostos mudou – e bastante. Feiticeira, Tiazinha, a “Nova Loira do Tchan” e tantos outros ícones entravam em frente às câmeras para satisfazer os desejos da plateia.

Aliás, Joana Prado até começou a fazer curso de teatro para contornar a sexualização em torno da personagem que fazia a Dança do Ventre. Susana Alves investiu na carreira de cantora e trabalhou em diferentes formatos para não se limitar à imagem da Tiazinha. Sheila Mello se tornou um ícone da dança brasileira. As três colocando a cabeça para pensar e mostrando que são mais que suas curvas.

Com Anitta, Luisa Sonza, Ludmilla, Lexa e outras, o buraco é mais embaixo. As meninas não se exibem para satisfazer os desejos árduos de um bando de adolescentes sedentos por uma cintura feminina. Elas mostram o que querem, como querem e onde querem. E, com esse movimento, ganham o mundo com suas bundas, seus talentos e todo o resto.

A nova geração de ‘bumbuns de ouro’ não depende mais da aprovação do público masculino. Pelo contrário, elas chegam para criticar a falta de atitude, de postura, de respeito e de sensibilidade dos homens que tanto falam, mas pouco fazem. E, caso um dia queiram levar um deles para cama, ótimo. Mas tudo depende da vontade DELAS. E o poder feminino numa tarde de futebol incomoda demais o público tradicionalmente machista que esperava o clássico Flamengo x Palmeiras na emissora de Silvio Santos.