Vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1984 por resistir de maneira não violenta ao regime do Apartheid (sistema legislativo que segregava pessoas negras na África do Sul), o arcebispo Desmond Tutu, de 90 anos, morreu no domingo, 26 de dezembro.

Ativista, ele foi diagnosticado com câncer de próstata no final dos anos 1990 e passou por diversas internações recentes relacionadas ao tratamento. Nas redes sociais, o presidente da África do Sul, Cyril Ramphosa afirmou que Tutu era “um patriota sem igual”.

“A morte do arcebispo emérito Desmond Tutu é outro capítulo de luto no adeus de nossa nação a uma geração de sul-africanos excepcionais que nos deixou uma África do Sul liberta. Desmond Tutu era um patriota sem igual; um líder de princípio e pragmatismo que deu significado à compreensão bíblica de que a fé sem obras está morta”, disse o presidente. “Rezamos para que a alma do arcebispo Tutu descanse em paz, mas que seu espírito fique de guarda e vigie o futuro de nossa nação”, destacou Cyrill.

CONTRA A SEGREGAÇÃO RACIAL

Com o fim do apartheid, o arcebispo Desmond Tutu foi nomeado presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul, que se propunha a investigar e punir crimes cometidos durante o período de segregação racial.

Tutu era amigo de longa data de Nelson Mandela, com quem conviveu por muito tempo na mesma rua na cidade sul-africana de Soweto, o que tornou a vizinhança a única no mundo a abrigar dois vencedores do Prêmio Nobel da Paz.

“Sua qualidade mais característica é a prontidão em tomar posições impopulares sem nenhum medo. Tal independência de pensamento é vital para o sucesso da democracia”, afirmou certa vez Mandela sobre o amigo.

ENTENDA O QUE FOI O APARTHEID

O Apartheid foi um regime segregacionista que vigorou na África do Sul de 1948 a 1991, que separava pessoas negras das brancas e dava às últimas domínio do poder político e econômico no país.

Colonizada a partir de 1652 por holandeses e tendo recebido imigrantes de outras partes da Europa e da Ásia, a África do Sul tornou-se, em 1910, uma possessão britânica. Desde a chegada dos primeiros europeus, há mais de três séculos, a história do país africano, que foi a dede da Copa do Mundo em 2010, foi marcada pela discriminação racial, imposta pela minoria branca.

Como protesto a essa situação, representantes da maioria negra fundaram, em 1912, a organização Congresso Nacional Africano (CNA) à qual Nelson Mandela, nascido em 1918, se uniu décadas depois. No CNA, Mandela se destacou como líder da luta de resistência ao apartheid.

O pai de Mandela era um dos chefes da tribo Thembu, da etnia Xhosa e, por isso, desde cedo, o garoto foi educado e preparado para assumir a liderança de seu povo. “Ele recebeu o melhor da Educação de sua tribo e foi iniciado em todos os rituais. Mas também teve o melhor da Educação europeia, estudando em bons colégios”, explica Carlos Evangelista Veriano, professor de História da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

O apartheid oficializou-se em 1948 com a posse do primeiro-ministro Daniel François Malan, descendente dos colonizadores europeus – também chamados de africâners. “Embora a história oficial omita, sabemos que os ingleses foram os financiadores do apartheid, já que o Banco da Inglaterra custeava todos os atos do governo sul-africano”, afirma Veriano.

Com o novo governo, o apartheid foi colocado em prática, instituindo uma série de políticas de segregação. Os negros eram impedidos de participar da vida política do país, não tinham acesso à propriedade da terra, eram obrigados a viver em zonas residenciais determinadas. O casamento inter-racial era proibido e uma espécie de passaporte controlava a circulação dos negros pelo país. “É importante lembrar que essa política teve clara inspiração nazista”, diz o professor.

Embora tenha sido preso diversas vezes antes, Mandela já cumpria pena desde 1963 quando recebeu a sentença de prisão perpétua. Porém, com o passar dos anos, o mundo passou a se importar mais com a inadmissível situação da África do Sul, que começou a receber sanções econômicas como forma de pressão para acabar com o apartheid. Em 1990, com o regime já enfraquecido, Mandela foi solto, depois de 27 anos no cárcere. O governo, liderado por Frederik De Klerk, revogou as leis do apartheid. Três anos depois, Mandela e Klerk dividiram o Prêmio Nobel da Paz.

Em 1994, nas primeiras eleições em que os negros puderam votar, Mandela foi eleito presidente do país. O filme Invictus (2009), dirigido por Clint Eastwood tem como foco a história de Mandela (interpretado por Morgan Freeman) logo que ele assume a presidência. A obra mostra como o líder governou não com a intenção de se vingar dos brancos, mas sim de realmente transformar o país em uma democracia para todos. Nelson Mandela morreu em 2013, de infecção pulmonar, aos 95 anos.